São várias as evoluções e desafios ambientais colocados ao País. Nuno Sequeira, que deixou recentemente a presidência da associação ambientalista Quercus, fala de alguns desses reptos.

A sede da Quercus insere-se no Parque Florestal de Monsanto que, em 30 anos, passou a ser um espaço desfrutado por todas as pessoas. Considera que houve também uma evolução nesta área?

Nos últimos anos, fruto da crise económica que o País atravessou, assistiu-se, por parte do Estado, a algum desinvestimento a este nível. Porque, quando o Estado tem falta de meios técnicos, humanos e financeiros a gestão das áreas protegidas acaba por se ressentir, nomeadamente ao nível da fiscalização, da vigilância, da educação ambiental, do turismo de natureza. Apesar de, nos últimos anos, se ter baixado a fasquia a este nível, evidentemente se olharmos para estas áreas, há 20 ou 30 anos, nota-se que existiu um caminho e que hoje estamos muito melhor do ponto de vista da possibilidade das pessoas usufruírem destes espaços. São espaços onde se pode fazer exercício físico, passear ao ar livre, fazer piqueniques, contactar com a natureza, etc., ou seja, os portugueses passaram a ter mais informação, mais consciência e sensibilização para as questões ambientais, e passaram também a beneficiar de um encaminhamento para poderem desfrutar mais e melhor destes espaços.

O novo regime de auto consumo de electricidade entrou em vigor em Janeiro deste ano. Como encara esta medida?

A nosso ver trata-se de um importante passo, mas é preciso fazer ainda mais. Tem de existir incentivos maiores para que se possa vender electricidade. Para uma família ‘comum’, que durante o dia não está em casa é nessa altura, precisamente, que o painel está a produzir e é nessa altura também que pode vender energia. À noite, ao fim-de-semana ou nas férias, sobretudo no Inverno, em que existe uma maior tendência para utilizar o aquecimento, máquinas, placas, electrodomésticos, etc., o painel não está a produzir e a família está a consumir. Mas a venda da energia durante o dia deve ser feita a um preço competitivo e não a um preço demasiado baixo, para que a família invista num painel mas tenha um prazo de retorno mais baixo. Pois quando se fala em prazos de retorno a 15/20 anos, as pessoas, ainda mais actualmente com a menor capacidade financeira de que dispõem, não se sentem tão tentadas a fazer esse investimento. Esta solução, além de estar a ajudar o orçamento familiar, está também a ajudar o ambiente. Poupa-se na construção de barragens que têm impactes muito grandes, na queima de produtos derivados do petróleo…, ou seja, estaríamos a diminuir bastante os efeitos negativos no ambiente.

Fala-se agora muito na Fiscalidade Verde e com isso no aumento do preço dos combustíveis e da energia, do imposto sobre o transporte aéreo de passageiros ou da taxa sobre os sacos de plástico. Acha que para os cidadãos são mudanças em prol do ambiente ou mais sobretaxas de que vão ser alvo?

É inevitável na situação em que nos encontramos, com desemprego, cortes salariais e a trabalhar mais e a viver com menos, que as pessoas não aceitem bem novas taxas. A nossa lógica, e a lógica que deveria nortear uma reforma fiscal ambiental, é que devia existir uma maior justiça na aplicação dessas taxas e isso ainda não está a ser conseguido. As taxas deveriam ter como objectivo final, por um lado, penalizar actos ou gestos danosos para o ambiente e, por outro, atenuar as taxas que incidem sobre os actos ou gestos positivos para o ambiente mas, penso que, essencialmente por questões políticas, isso não está a acontecer, o que conduz a um sentimento de injustiça. Além disso, não nos parece também muito lógico que a repartição de verbas neste primeiro ano em que cerca de 90% das receitas que são conseguidas na reforma fiscal verde sejam para a reforma do IRS, para apoiar as famílias. As verbas deveriam servir para a própria reforma. Por outras palavras, não temos de dizer se isto está bem ou mal, até porque entendemos esta decisão, mas não nos parece muito justo estar a canalizar verbas para financiar famílias que pouco ou nada fazem em prol do ambiente. Poderia até sair 10% desta verba mas não 90%. Na nossa opinião, nos próximos Orçamentos de Estado esta situação deve ser corrigida, pois, só assim, as famílias aceitam de bom grado este tipo de reformas.

No balanço final de 2014, a Quercus considerou como ponto negativo o Regime Excepcional para a Reabilitação Urbana (RERU). Porquê?

Fizemos essa crítica não porque não concordemos com a reabilitação, pelo contrário, achamos que a actividade da construção e do imobiliário deve passar precisamente por esta área. Temos um País com uma ocupação de construção demasiado densa, com casas construídas a mais para as nossas necessidades, vários empreendimentos inacabados ou falidos ou acabados e por vender, em contraponto com os centros das cidades que estão ao abandono, com casas vazias ou fechadas e a degradar-se. A política seguida nos últimos 10 anos foi a de investimento em construção nova e esse investimento não foi só da parte dos promotores imobiliários, foi também das autarquias e, em última instância, todos nós através dos nossos impostos. Pelo que defendemos que deve existir uma maior aposta na reabilitação urbana. A questão é que ao criar-se esse regime excepcional, áreas como a eficiência energética acabam, a nosso ver, por ter uma fasquia demasiado baixa em relação ao que devia ter. É certo que através deste regime pode ter-se mais dinamismo em termos do sector da construção e maiores níveis de reabilitação mas com patamares de qualidade que deveriam também ao nível do ruído, da climatização, da eficiência energética, etc.

Portugal está preparado para as mudanças climáticas que se avizinham?

Tudo indica que Portugal vai enfrentar situações de extremos, com o surgimento de maiores ondas de calor e com a temperatura a aumentar, por um lado, e, por outro, com grandes temporais em que cai mais chuva em menos tempo e eventualmente cheias. O que nos leva a interrogar sobre se as nossas cidades estão preparadas para estas situações de extremos e penso que não estarão, já que sempre que acontecem há sempre grandes prejuízos. A maioria das casas também não está preparada pelo que, cada vez mais, é importante que as pessoas quando decidem comprar ou alugar casa tenham em atenção vários elementos de eficiência energética, nomeadamente com o isolamento térmico, com a eficiência dos electrodomésticos, com a iluminação, com os pavimentos, etc. Em termos internacionais a situação é preocupante e Portugal não é diferente. É preciso recordar que atravessámos um período de crise, pelo que o desafio agora passa por, quando recomeçarmos a crescer a nível económico e quando recomeçar o aumento do consumo se não vamos recomeçar também a aumentar o nível de emissões, a usar mais combustíveis fósseis, a explorar mais recursos. A História da Humanidade tem mostrado que quando há maior prosperidade económica é quando há pior desempenho ambiental. Penso que devemos aproveitar este período para apostar nas tecnologias verdes que permitam Portugal crescer mas de uma forma sustentada.

Fotos: Anabela Loureiro