Na edição de Janeiro/Fevereiro de 2016, a Magazine Imobiliário publicou um artigo questionando sobre o fenómeno: ‘Portugal está na moda’. Para o efeito convidámos o sociólogo João Queirós a dar-nos a sua opinião. Eis o que disse sobre este assunto…
Como explica, do ponto de vista sociológico, que, sobretudo nos últimos dois anos, tenha surgido o fenómeno ‘Portugal está na moda’ e o que significa concretamente este fenómeno?
Creio que a sociologia terá sempre alguma dificuldade em objectivar os parâmetros que permitam dizer que estamos perante o ‘fenómeno’ que cita. Todavia, admitindo que Portugal está efetivamente ‘na moda’, e considerando que isso significará um estatuto de especial notoriedade do País à escala internacional, seria ainda necessário chegar a um acordo quanto àquilo que, em concreto, está a colocar Portugal ‘na moda’. Em jeito de exercício, admitamos que o indicador desse fenómeno é a atractividade turística do País. Nesse caso, poderá dizer-se que Portugal parece efectivamente estar ‘na moda’, dado o crescimento do número de visitantes observado nos últimos anos, o crescimento do peso económico e dos impactos sociais do setor e a ampla exposição que o país tem tido em diversos meios e órgãos de comunicação internacionais, exposição com óbvia e intensa reverberação a nível interno.
Concretamente, desde um ponto de vista sociológico, isto significará que estão a ser bem-sucedidos os esforços políticos, económicos e mediáticos de construção e evidenciação de Portugal, interna e externamente, enquanto país especialmente vocacionado para o sector do turismo e para o acolhimento dos fluxos de pessoas e de investimentos que crescentemente se orientam para este sector de actividade. Como sabemos, o modelo de desenvolvimento português tem sido crescentemente orientado, pelos decisores políticos e pelos agentes económicos, para a aposta no turismo e nas actividades que lhe estão associadas. Esse facto é visível em diversos domínios, desde o empresarial ao educativo, e tem óbvias repercussões no modo como o país se representa e se apresenta – a imagem de um ‘Portugal na moda’, como esse de que fala, é, obviamente, uma imagem consentânea e adequada à defesa e promoção desse modelo de desenvolvimento do país, uma imagem que cria, digamos, o ‘ambiente subjectivo’ ajustado aos aspectos objectivos que concretizam a dita aposta no sector turístico. Depois, um sociólogo ou uma socióloga poderá pensar quais serão os efeitos sociais desta ‘moda’, isto é, quais as repercussões que poderão decorrer da aposta no turismo enquanto eixo central do desenvolvimento de um país, mas isso já será outra questão – que interessará menos a quem pretende sobretudo pôr Portugal ‘na moda’.
A imagem atractiva de Portugal está muito alavancada quer na confiança nacional, fruto de alguma retoma económica, quer no marketing digital, sobretudo nas redes sociais e nos media internacionais. Na sua opinião, este ‘estar na moda’ é real, um fenómeno de ‘contágio social’ ou apenas mais uma moda passageira?
É curioso verificar que são frequentemente aqueles que difundem a ideia de que os portugueses têm baixa autoestima e são miserabilistas os mesmos que falam na ‘confiança’ e na ‘boa imagem’ do País. Refiro-me a muitos agentes políticos e a muitos dos que têm espaço na comunicação social. Parece-me claro que o discurso da ‘confiança’, da ‘recuperação’ e da ‘atractividade’ é especialmente oportuno num momento que se quer apresentar como sendo de ‘viragem’, de ‘recuperação’, de ‘saída da crise’. Sabemos que os discursos e as imagens querem descrever a realidade de um determinado modo e, ao fazê-lo, contribuem para a constituir desse determinado modo. Há sempre, simultaneamente, factos e ficções nesses discursos e imagens.
Mais uma vez, seria necessário precisar quem são as entidades que difundem essa ‘imagem atractiva’ de Portugal e em que critérios essas entidades se baseiam para tal. Portugal tem uma imagem positiva e atrativa à escala internacional em diversos domínios, mas não a tem noutros… O que não deixa dúvidas é que existe um conjunto de entidades públicas e privadas que, no nosso País, se dedica à criação e difusão dessa imagem atractiva, exactamente com o fito de criar um efeito de ‘moda’ capaz de trazer vantagens no jogo da competição, que hoje se processa a uma escala internacional, por renovados e ampliados fluxos de pessoas e capitais. Correndo o risco de repetir o que já foi dito, parece que essas entidades estão a ter relativo sucesso, já que o turismo bate recordes de ano para ano e há notícias de um reforço da notoriedade de Portugal não apenas enquanto destino turístico, mas também em alguns outros setores, nem sempre ligados ao turismo.
De todo o modo, uma análise séria deste tema não pode deixar de colocar a pergunta sobre quais os fundamentos da ‘moda’ e sobre se o seu impacto é real ou exagerado; se ele decorre e impõe transformações relevantes, observáveis, no nosso tecido económico e social ou se tudo isto não é antes uma espécie de ‘wishful thinking’ de um País que gosta de se pensar, precisamente, moderno e atractivo… Se procurarmos a resposta no que é a face visível do aumento no nosso País da procura turística, na realidade quotidiana das nossas principais cidades, como é o caso do Porto, que conheço bem, se atendermos às evidências difundidas pelos meios de comunicação, pelas redes sociais, etc., parece haver fundamento para falar em ‘moda’ – crescimento dos fluxos com destino a Portugal e diversificação das respectivas proveniências, novos negócios, novas dinâmicas comerciais e culturais. Dados que, porém, não têm chegado para contrabalançar a crise que afeta diversos outros sectores – o crescimento da riqueza continua praticamente estagnado e o desemprego permanece alto, para não falar nos problemas decorrentes de persistentes e insidiosos índices de desigualdade social (que não é seguro que um modelo de desenvolvimento alicerçado no turismo consiga reduzir, pelo contrário). Por outro lado, sabemos que o sector do turismo é bastante volátil, está sujeito a muitos fatores com certa imprevisibilidade, e isso significa que a ‘monocultura’ do turismo poderá não ser sustentável, a prazo, mesmo que Portugal pareça ter algumas condições, reconhecidas pelos especialistas, para continuar a estar ‘na moda’ a este nível. Se olharmos para o investimento direto estrangeiro no nosso País, de acordo com os dados do Banco de Portugal, verificamos também que o respectivo peso na nossa economia tem vindo a crescer desde há vários anos a esta parte, crescimento que apenas terá sido quebrado entre 2010 e 2011, ano de maior impacto económico da crise de 2008; ora, isto pareceria dar conta de uma efectiva maior ‘atractividade’ do País. Mas os analistas também concordam que muito deste investimento é direccionado para o sector financeiro ou resulta de privatizações de grandes empresas nacionais, o que significa que a sua ‘produtividade social’, isto é, a sua capacidade para corrigir os principais problemas de desenvolvimento do nosso País será escassa. Parecem faltar, pois, mais provas de que a ‘boa imagem’ signifique ‘mais desenvolvimento’ – e certamente faltam provas de que essa ‘boa imagem’ corresponda inevitavelmente a ‘bom desenvolvimento’.