O sociólogo João Queirós defende que existe uma tendência para as populações residirem em grandes cidades, as quais são atraídas pelas múltiplas oportunidades que as metrópoles oferecem. Lisboa e Porto não são excepção.

Como explica o fenómeno da existência das grandes metrópoles, como Lisboa, a centralizar os interesses de todo o tipo (económico, social, cultural, demográfico…), relegando para segundo plano o interior?

O fenómeno da metropolização, ou seja, da concentração de pessoas, bem como de actividades económicas, políticas, culturais e outras, em grandes cidades, com a consequente densificação e expansão dos seus territórios e áreas de influência, não é recente nem está circunscrito a uma só região do globo. Por todo o mundo, a população residente em grandes cidades cresce, atraída pelas oportunidades de vária ordem que as metrópoles parecem conter. Em Portugal, fala-se, com acerto, num processo, que se vem intensificando ao longo das últimas épocas, de ‘despovoamento do interior’ e de ‘litoralização’ da população, com crescimento das principais cidades localizadas nesta faixa do território nacional. Junto destas cidades – e, muito em especial, nas duas principais regiões metropolitanas, Lisboa e Porto –, têm vindo a concentrar-se atividades económicas, infra-estruturas e equipamentos, conhecimento, cultura, poder político… e pessoas.

Conjuntamente, as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto concentram hoje qualquer coisa como 4,6 milhões de pessoas, mais de 40% da população global do País. Trata-se de uma espécie de ‘círculo virtuoso’ (ou ‘vicioso’, consoante a perspectiva) que tende a penalizar os territórios extra-metropolitanos, em especial os territórios económica, social e politicamente menos ‘densos’ do interior. Naturalmente, o desenvolvimento (ou contraversão) deste tipo de processos está associado ao modo como se concebe o modelo de desenvolvimento do País e às formas através das quais se concretizam as políticas do território. No caso português, uma opção eminentemente ‘centralista’ característica dos anos 1980 e 1990 e, depois, a incapacidade manifesta para colocar as assimetrias interterritoriais verdadeiramente no centro da agenda política têm resultado no aprofundamento deste processo de polarização do mapa territorial do País, em que Porto e, sobretudo, Lisboa surgem como principais centros populacionais e de poder.

Lisboa e Porto têm vindo a perder população interna/fixa mas diariamente mais do que duplica com as pessoas que se deslocam em trabalho ou em visita/turismo. Será que poderemos chamar a estas cidades verdadeiras metrópoles?

Na verdade, a diminuição da população residente nas cidades centrais das grandes metrópoles é um dos fenómenos quase sempre associados ao processo de metropolização. Pelo menos na europa e na américa do norte, as principais áreas metropolitanas têm crescido em área e população tendo como contrapartida, entre outras, a perda populacional e o envelhecimento demográfico da cidade central. É assim no caso português. Pelo menos desde o início da década de 1980 que as cidades de Lisboa e Porto têm perdido população residente, sem que isso signifique necessariamente perda de centralidade e de capacidade polarizadora. Tais cidades continuam a afirmar-se como principais polos económicos, culturais e políticos das respectivas regiões – e há até indícios recentes, em especial no caso lisboeta, de que pode ter começado a alterar-se a tendência de perda de população residente típica das últimas décadas, com travagem do fenómeno e regresso à residência na cidade central de certos grupos sociais. Sob este ponto de vista, e considerando a escala do nosso País, Lisboa e Porto são as nossas metrópoles, sendo que a capital, pela sua configuração, dimensão e capacidade polarizadora, é, efectivamente, aquilo que mais se aproxima de uma grande região metropolitana. Ainda assim, ela corresponde a uma realidade bastante afastada da realidade quotidiana das maiores e mais densas metrópoles da europa e, sobretudo, da realidade verdadeiramente avassaladora das principais regiões metropolitanas dos continentes americano e asiático.

A organização interna dos espaços metropolitanos é sinónimo de concentração e diversificação mas também de dispersão. Concorda?

Com efeito, a constituição de grandes territórios urbanos – as metrópoles de que falamos – é um processo simultâneo de concentração, diversificação e dispersão. Por um lado, concentração e diversificação – de pessoas, culturas, modos de vida, poderes, recursos, oportunidades, mas também de riscos e desafios; por outro lado, dispersão, já que o ingurgitamento urbano tende a impor o alastramento progressivo da ‘mancha metropolitana’ (urban sprawl), que assim vai englobando áreas cada vez mais afastadas do centro. A atracção de pessoas e actividades pelas cidades centrais tem habitualmente, na história da evolução das cidades, esse efeito que é o da subsequente suburbanização e do paulatino alargamento do território e da área de influência da metrópole. Para dar uma ideia do significado deste processo, basta pensar que é possível encontrar hoje na região metropolitana de Lisboa pessoas que têm de despender três ou mais horas por dia nas viagens de ida e volta entre os seus locais de residência e de trabalho. Se pensarmos na realidade das grandes metrópoles americanas ou asiáticas, esse dispêndio de tempo pode chegar às oito a dez horas, o que é absolutamente assombrador – e, ao mesmo tempo, sintomático deste processo de dispersão associado à metropolização.

A Estação Espacial Internacional apresentou recentemente Portugal visto à noite e através das luzes acesas pode-se verificar, sem surpresas, que dominam Lisboa e Porto. Mas revelou também uma forte concentração em Bragança, Coimbra, Setúbal, Portalegre, Évora, Beja, Sagres e Faro. Podemos estar perante uma difusão do fenómeno da ‘metropolização’ em Portugal?

Quando se observa a evolução da situação territorial do nosso País ao longo das últimas décadas, fala-se frequentemente em ‘despovoamento do interior’ e em ‘litoralização’, fala-se também no crescimento das duas áreas metropolitanas, mas não pode esquecer-se um processo talvez menos evidente, mas igualmente relevante, que é o que resulta da densificação dos principais centros urbanos à escala regional. Em especial nas duas últimas décadas, o despovoamento das áreas rurais, particularmente nos distritos do interior Norte e Centro do País, tem correspondido à afirmação de polos urbanos de média dimensão, como aqueles que a questão cita. Além da população que abandona as vilas e aldeias em direção ao litoral, às áreas metropolitanas e ao estrangeiro, há um número relevante de indivíduos e famílias que troca os lugares de menor dimensão pelos principais polos urbanos da respectiva região, onde se concentram – a uma escala menor do que nas metrópoles, mas ainda assim atractiva – infra-estruturas, equipamentos, bens e serviços convidativos para as populações das áreas envolventes. Isto sem alguns dos principais riscos e problemas associados à vida nas regiões metropolitanas do litoral. Trata-se, com efeito, de um fenómeno que tem vindo a assumir relevância no nosso País, mas seria talvez abusivo falar-se numa ‘difusão do fenómeno da metropolização’. Em contrapartida, processos de desdensificação urbana e de ‘renascimento’ do rural, que vêm assumindo certo peso em países do Centro e Norte da Europa, são ainda secundários, para não dizer residuais, no caso português.

Entrevista: Carla Celestino

Foto: Anabela Loureiro