Gosto de ouvir as conversas dos outros no comboio. Uns têm histórias de vida, outros mais dramáticas, outros mais divertidas... e depois há aqueles que têm uma história que vale a pena ser partilhada. Hoje aconteceu-me isso. Tenho uma história que ouvi e quero partilhar convosco. A história de uma casa muito portuguesa!
Mal entrei no comboio uma frase chamou logo a minha atenção: "Faz hoje 10 anos que o meu 'namorado' me ofereceu algo muito especial", disse uma senhora. A sua a amiga, tal como eu, ficou curiosa: "E o que foi?". Exposto isto, resolvi ficar por ali para ouvir o resto da história (sim, costumo levar livros para ler, mas digam lá que também não estão curiosos?)
Ela, em jeito de suspense, preferiu contar a história desde o início: "Há 10 anos, o meu namorado perguntou-me se queria ir viver com ele e eu, que já andava a pensar no assunto há algum tempo, nem hesitei, disse logo que sim! De seguida perguntou-me se confiava nele.. bem nisto dos homens nunca se deve confiar muito, mas lá disse que sim é o que os apaixonados dizem, não é?!"
Depois a senhora começou a descrever aquilo que para mim parecia um filme. Ele vendou os olhos dela, levou-a até ao carro e seguiu caminho. Pelo meio foi dizendo que não sabia para onde ia mas que ouviu várias buzinadelas dos carros que os iam ultrapassando, porque uma mulher com um lenço "branco com corações vermelhos no banco da frente de um carro" não se vê todos os dias.
Quando o carro parou, ele pegou-lhe na mão e conduziu-a até uma porta, subiu alguns degraus e entrou numa casa. Andou por um corredor e ouviu um som que parecia fósforos a acender e pensou: "Espero que não esteja a pensar em fazer algo estranho, que vou já me embora daqui..." Quando retirou a venda viu uma sala ampla e cheia de luz, uma lareira e uma manta no chão, uns candelabros e uma 'mesa' de fazer crescer água na boca.
A frase seguinte petrificou-a: "Acho que esta casa é a nossa cara, por isso comprei-a para nós, vai ser o nosso ninho de amor". E desde então tem sido a sua casa, o seu lar, o seu ninho...
Mas a história não se fica por aqui, porque para uma jornalista de imobiliário como eu esta não é nada mais do que uma história de "água com açúcar"... o que ela disse a seguir é que me fez pensar e sorrir.
"Há 10 anos que aquela tem sido a nossa casa, mas é mais que uma casa... é a nossa identidade. Assim que abro a porta os cheiros que sinto são nossos, as bugigangas são nossas, os brinquedos espalhados são nossos, as plantas são nossas e não são de mais ninguém. Se fosse hoje, provavelmente alugaríamos uma casa e já teríamos mudado para outra maior ou com melhor localização mas não seria nossa, não teria a nossa impressão digital. Claro que a casa só vai ser realmente nossa daqui a a 20 anos mas lá dentro é nossa!"
Carla Celestino