Cristina Siza Vieira, presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), defende que ainda existe margem para o investimento hoteleiro em Lisboa. Ao contrário do alojamento local que sai do mercado da habitação ‘travestido’ em alojamento turístico.
Nos últimos anos, em Lisboa, assistimos a um ‘boom’ da abertura de novos hotéis. O que nos leva a perguntar: Não há já hotéis a mais para uma cidade tão pequena como Lisboa? Não estará já a oferta a ser superior à procura?
Em termos da relação de oferta-procura, é preciso dizer que o ‘boom’ de unidades hoteleiras não é superior em Lisboa comparativamente ao resto do País. De acordo com os nossos estudos, de 2007 a 2015, a taxa média de crescimento anual de oferta de quartos em Lisboa rondou os 5% e no País foi de cerca de 4%, ou seja, apenas de um ponto percentual de diferença. Relativamente à procura, medida pela taxa de ocupação de quartos em Lisboa é na ordem dos 6% e em Portugal de 5% (portanto também 1 p.p. de diferença entre Lisboa e o resto do País).
E em relação ao preço médio por quarto vendido?
De acordo com o Hotel Monitor da AHP, em termos de preço médio por quarto vendido (ARR - Average Room Rate - preço médio que corresponde ao total de receita de alojamento a dividir pelo total de quartos vendidos), de 2014 para 2015 existiu um crescimento em Portugal de 9,15%, de 68 euros para 75 euros, e em Lisboa cresceu mais 10% (de 78 euros para 86 euros). Mais uma vez, há aqui uma relação que acompanha o crescimento em Portugal. Segundo o Hotel Monitor, e usando dados relativos a 2014 e 2015, relativamente ao crescimento do RevPAR (Revenue per Available Room - relação entre quartos disponíveis e quartos ocupados), aí sim existiu um desvio, Com efeito, em Portugal, verificou-se um crescimento de 14%, deste indicador, já em Lisboa cresceu sensivelmente 12%. Há aqui, em termos de RevPAR, uma discrepância, embora o período em foco seja mais curto (2014/2015). Todavia, o valor do RevPAR em Portugal parte de montantes muito inferiores a Lisboa, a saber de 43 euros para 49 euros e 59 euros para 65 euros, respectivamente, de 2014 para 2015. Em termos de taxa de ocupação, segundo o Hotel Monitor, no mesmo período, em Portugal, cresceu 4%, passando de 64% para 65%. Aqui sim há um importante desvio: em Lisboa, a taxa de ocupação, cresceu apenas 1%, ou seja de 75% para 76%. Estamos, em termos absolutos, quer em RevPAR, quer de ARR, quer de taxa de ocupação, com valores muito superiores em Lisboa em relação ao que acontece no resto do País. Mas outra coisa é o ritmo de crescimento.
Mas a taxa de ocupação tem-se ‘ressentido’…
A entrada sucessiva de quartos em Lisboa tem obrigado a algum ‘sacrifício’ da taxa de ocupação. Poderíamos estar melhor do que estamos, é verdade, ainda assim note que fechámos Lisboa, em 2015, com quase 76% de taxa de ocupação, que é 10 p.p. acima da taxa de ocupação nacional. O que precisamos de ter em atenção é o equilíbrio, ou seja, cresce a oferta de quartos mas deve também crescer a procura para optimizar a capacidade instalada. Existe aqui um ‘gap’ entre a capacidade instalada e a ocupada que se tem mantido estático. O mais importante é monitorizar esta realidade, ver se o ‘gap’ se vai mantendo, agravando ou fechando.
A procura por Lisboa tem sido superior à procura por Portugal, isto ao longo de um ciclo mais longo. A continuar assim o que é que pode acontecer?
Primeiro, a manter-se este ritmo não há nada que nos deva alarmar porque, neste momento, temos uma procura que, também a nível nacional, é superior à oferta. A questão é que há ainda um ‘gap’ por preencher. Penso que é preciso continuar a persistir na procura. Por outro lado, é importante monitorizar permanentemente esta relação entre a procura e a oferta para se irem ponderando as opções de investimento.
Há quem defenda que, dentro de poucos anos, vão ser muitos os hotéis a fechar portas ou a ficar nas mãos dos bancos e que deve ser colocado um ‘travão’ na construção e reabilitação com fins hoteleiros. Como encara esta possibilidade?
Neste momento continuamos com uma excelente previsão para 2016, em que a procura vai continuar a crescer. Toda a dinâmica da procura é que deve condicionar a oferta. Estamos numa sociedade livre e as pessoas fazem opções de investimento, pelo que não vejo razão nenhuma para intervir. Penso que a solução passa por monitorizar a situação e dar aos empresários e aos investidores informação bastante para formarem uma convicção de investimento. Neste momento, o ‘boom’ que aconteceu há alguns anos nos resorts que foram parar às mãos dos bancos, em que existiu uma expectativa sobre o turismo residencial alimentado por um crescimento da Europa que não se verificou em razão da crise, comprometeu efectivamente as expectativas dos investidores e da banca que se viu na contingência de alocar aos fundos os seus activos. Não é a mesma coisa quando falamos na hotelaria na cidade. Os empresários devem fazê-lo, em razão daquilo que é a melhor opção e hoje a própria banca olha para estes potenciais investimentos com mais prudência numa óptica de crescimento sustentável. Não creio que devam existir condicionamentos administrativos ao investimento.
O parque hoteleiro de Lisboa tem, então, margem para crescer?
Temos margem para crescer na taxa de ocupação com o que já temos. Se tivermos em conta que a taxa de ocupação na hotelaria, em 2015, em Portugal, foi de 65%, significa que temos 35% de quartos por ocupar. Relativamente a novos hotéis, evidentemente é uma opção dos empresários e dos investidores. Mas há espaço para reconversões para novos hotéis, para novas marcas e para novos produtos. O que é importante é que a procura acompanhe a oferta. No ano passado já se verificou um abrandamento da taxa de ocupação dos quartos hoteleiros de Lisboa, o que poderá vir a impactar no preço. Concluiria dizendo que novas opções de investimento em hotelaria em Lisboa são sustentáveis se houver um esforço grande, como tem sido feito, ao nível da promoção pela captação da procura. Ainda assim, imagine que nós proibíamos mais hotéis em Lisboa, sabe o que acontecia? Crescia o alojamento local.
Existe alguma ‘tensão’ entre a hotelaria e o alojamento local?
O abrandamento na procura (TO dos hotéis em lisboa) que se verificou no ano passado, e que foi substancial em relação ao resto do País e ao ciclo 2007/2015 - recorde-se que, neste período, se verificou um crescimento da taxa de ocupação dos quartos em Lisboa de 6% e de 2014/2015 foi de apenas 1% - creio que se ficou a dever ao facto de existirem outros players no mercado. Se em 2015 abriram 18 hotéis em Lisboa, a quantidade de alojamento local que brotou foi muitíssimo superior. Neste momento, para o mesmo mercado de alojamento turístico, o que tem crescido desmesuradamente é a oferta de quartos e de camas em alojamento local. Obviamente, além do impacto que tem sobre os habitantes, retira à capacidade instalada de hotelaria muita margem. No alojamento local em Lisboa, em Maio de 2016, estavam registadas 4.663 unidades, num total de 27.000 camas; um ano antes, em Maio de 2015, eram 2.141 unidades. Aqui sim deve ser colocado um ‘travão’ e haver um condicionamento. Não pode haver a transformação de um qualquer edifício de habitação num hostel ou um bloco de apartamentos de repente ser descarregado no mercado turístico. O mercado a que se destina é o mesmo – alojamento para turistas -, mas o mercado de onde ‘saem’ é distinto. Os que saem do mercado da habitação ficam ‘travestidos’ em alojamento turístico e um hotel nasceu como hotel e só pode ser um hotel. Existe, pois, uma tensão entre o alojamento para habitação e o turístico que é muito mais grave em Lisboa que no resto do País. Note que no Algarve, por exemplo, a existência de Alojamento Local (que sempre existiu, chamavam-se apenas apartamentos ou moradias), não provoca nem tensão para a hotelaria, nem para os habitantes porque são segunda habitação. Já em Lisboa e no Porto não é assim, é primeira habitação transformada em turismo o que coloca vários problemas, um deles comprometer a desejada ‘densificação’ da cidade, isto é, captar e fixar residentes, presente na Carta Estratégica de Lisboa e vertida no PDM (Plano Director Municipal). Este problema afecta não só Lisboa e o Porto mas também Berlim, Paris, Londres, Barcelona, Madrid e outras cidades em que o mercado de habitação está a ficar altamente condicionado. Em suma, os potenciais investidores de hotéis em Lisboa além dos resultados na hotelaria têm presente também o crescimento de camas a nível do que em Portugal se denomina alojamento local.
Entrevista: Carla Celestino
Foto: Memmo Alfama